Caminho agostiniano para o discernimento vocacional (Parte 1)

A vida religiosa vale a pena?
2 fevereiro, 2021
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Santo Agostinho também discerniu sua vocação de “servo de Deus”

Palavras do próprio Santo Agostinho: “Estive longo tempo ocupado em muitos e diferentes assuntos, e esforçando-me com empenho durante muitos dias para me conhecer a mim mesmo, o que devo fazer e o que hei evitar. De repente, me veio uma voz, não sei se de mim mesmo ou de outro, de fora ou de dentro, e me disse: em quem você vai confiar para continuar? (Solilóquios I, 1)

Muitas pessoas relatam que chegaram a descobrir sua vocação graças a algum testemunho que lhes chegou ao coração. Santo Agostinho sabe como chegar ao coração porque ele fala a partir do coração e partilha com espontaneidade seu caminho de busca.

Com esta série de publicações, será proposto um itinerário para o discernimento vocacional baseado na experiência do próprio Agostinho.

Começaremos com uma breve caminhada, através de alguns momentos importantes da vida do santo, nos quais ele próprio partilha com emoção o que o levou a amadurecer uma opção de vida em Cristo. E depois, baseados na experiência do santo, serão sugeridos alguns aspectos-chave para o discernimento que ajudem a iluminar os caminhos da busca da própria vocação.

Deixemos que seja Santo Agostinho quem nos conte, com suas próprias palavras, a caminhada de sua jornada, até chegar a abraçar, com todo o seu coração, o chamado que o Senhor lhe fez a ser “servo de Deus” ou monge. Ele diz no livro de suas Confissões:

“Sentia muitos desejos de honra, riqueza e casamento, e Tu, Senhor, rias de mim. E nesses desejos sofria lutas amargas, pois tu estavas mais perto de mim, quanto menos consentias em encontrar doçura no que não eras Tu ” (VI, 6,9).

Depois de uma longa jornada de idas e vindas, de quedas e erguidas, de sonhos realizados e fracassos dolorosos, Santo Agostinho entrou em seu mundo interior, que ele assim descreve:

Quando eu pensava em me consagrar ao serviço do Senhor, meu Deus, como há tempo havia colocado em meu coração, era eu quem queria e também era eu quem não queria. Precisamente porque eu não queria totalmente, nem queria plenamente, lutava comigo mesmo e me quebrava a mim mesmo ”(Confissões VIII, 10,22).

E mais tarde, quando o próprio Agostinho partilha no livro de suas Confissões, ele sente um forte desejo de tomar uma decisão:

“E dizia interiormente a mim mesmo: Ei! Seja agora, seja agora; e já quase passava da palavra para a ação, quase agia; mas não chegava a fazê-lo” (VIII, 11,25).

Como se tratasse de um duelo até a morte, por dentro se debatia e lutava sem trégua. O eco da voz de suas antigas vaidades o seduziam:

Você nos deixa? E a partir deste momento não estaremos com você para sempre? E a partir deste momento isso ou aquilo nunca será licito para você? O que você pensa que pode viver sem essas coisas? (Confissões VIII, 11,26).

Por outro lado, outras vozes internas, vindas do testemunho tenaz de muitos cristãos, ressoavam com força:

“Você não pode o que estes puderam? Ou eles puderam fazer isso por si mesmos e não no Senhor, seu Deus? Por que você se apoia em si mesmo e não consegue se levantar? Lança-te Nele, não temas, que Ele não se retirará para que você caia. Tenha certeza de que Ele o receberá e curará ” (Confissões VIII, 11,27).

Assim, a luta interior de Santo Agostinho aumentou,

mas apenas uma alta consideração tirou da profundidade de seu segredo e amontoou toda a minha miséria diante do meu coração; uma enorme tempestade estourou em minha alma, que continha em si abundante chuva de lágrimas. E para descarregá-la toda com seus trovoes correspondentes, me afastei de Alípio – pois me parecia que, para chorar a solidão era mais própria – e me retirei o mais remotamente que pude” (Confissões VIII, 12, 28).

Até que chegou a hora de Agostinho dar lugar a Deus em sua vida e liberar a pretensão de querer controlar a vida:

“Jogando-me embaixo da figueira, não sei como, soltei o domínio das lágrimas, brotando dois rios dos meus olhos. E eu lhe disse muitas coisas como estas: e Tu, Senhor, até quando?! Até quando, até quando, amanhã? Amanha? Por que não pôr um fim à minha incapacidade nesta mesma hora? (Confissões VIII, 12, 28).

De repente, o brilho de uma grande luz dissipa as trevas do coração de Agostinho:

“Mas eis que ouço uma voz na casa vizinha, como de um menino ou uma menina, que dizia cantando e repetia muitas vezes: Pegue e leia! Pegue e leia! E, reprimindo o ímpeto das lágrimas, levantei-me, interpretando isso como uma ordem divina, para abrir o manuscrito e lesse o primeiro capítulo que encontrasse. Então, apressadamente, voltei ao lugar em que Alípio estava sentado e onde eu havia deixado o escrito do Apóstolo quando me levantei dali. Então peguei, abri e li em silêncio o primeiro capítulo que me veio aos olhos, e dizia: nada de comilanças e embriaguez, nem em camas e luxurias, nem em contendas e disputas; mas revesti-vos de nosso Senhor Jesus Cristo e não cuidem da carne com desejos exagerados” (Confissões VIII, 12, 29).

E, finalmente, Santo Agostinho amadureceu uma opção de vida em Cristo:

“Uma luz de segurança se infiltrou em meu coração e todas as trevas de minhas dúvidas se dissiparam” (Confissões VIII, 12, 29).

E ele conclui dizendo:

Porque de tal maneira tu me converteste a Ti que eu não queria mais uma esposa ou tinha alguma esperança neste mundo, já estando naquela regra de fé em que há tantos anos tu me mostraste a ela (sua mãe, Monica). E assim transformou o choro em alegria, muito mais fecundo do que ela queria e muito mais caro e casto do que eu poderia esperar dos netos que lhe dessem minha carne” (Confissões VIII, 12,30).